Ângelo Agostini, cartunista

Conheça o “pai” de Nhô Quim e de Zé Caipora

Angelo Agostini

Ângelo Agostini (1843/1910) não era originalmente brasileiro, embora tenha vivido aqui grande parte de sua vida e tenha finalmente se naturalizado em 1888. Na realidade, ele nasceu em Vercelli, na Itália, pouco antes da metade do século XIX e veio para o Brasil quando tinha dezesseis anos. Aqui viveu a maior parte da sua vida, até a sua morte, em 1910.

No entanto, apesar de italiano de nascença, ele pode muito bem ser considerado como brasileiro, não apenas porque se naturalizou, mas, também, por ter aqui desenvolvido todas suas atividades artísticas de destaque (e também aquelas não tão artísticas, mas isto já é outra história…).
CabriãoTendo desde jovem se dedicado à ilustração, Agostini colaborou primeiramente na revista Diabo Coxo e depois em O Cabrião. Possuía uma veia satírica bastante destacada, o que lhe valeu vários entreveros com a polícia do Segundo Império e, depois, com a da nascente República. Seu trabalho marcou esse período, sendo impossível realizar uma análise da história brasileira dessa época sem mencioná-lo e a seu trabalho. N’O Cabrião, apareceram seus primeiros trabalhos e ilustrações. Deve-se considerar que eles não tinham ainda os elementos característicos dos quadrinhos, como o balão ou a onomatopéia, algo que, aliás, também faltava ao trabalho tanto de europeus como de norte-americanos naquele período. No entanto, pode-se defender que os trabalhos de Agostini guardavam uma semelhança muito maior com os quadrinhos do que os dos autores acima citados. Era, então, o ano de 1864; as histórias em quadrinhos, tais como as conhecemos hoje, estavam longe de existir.
O tico ticoDurante sua atribulada vida, Agostini fez um pouco de tudo no que diz respeito à arte gráfica. Foi ilustrador freqüente de várias revistas, entre os quais se destacam a Vida Fluminense e O Mosquito. Fundou e foi, durante mais de dez anos, o diretor da Revista Ilustrada. No fim de sua carreira, colaborou com a empresa O Malho, responsável pela revista infantil O Tico-Tico, de cujo logotipo foi o idealizador. E foi também a mente criativa por traz de várias personagens fixas, publicadas durante anos em algumas dessas revistas, que estudiosos identificam como pioneiras entre as personagens fixas dos quadrinhos. Duas delas se destacam nesse rol.
Desenho Angelo AgostiniÂngelo Agostini publicou sua primeira história com personagem fixa na Vida Fluminense, iniciando em janeiro de 1869. Intitulada As aventuras de Nhô Quim, ou impressões de uma viagem à corte, narra as experiências de um caipira perdido na cidade grande. A história é desenvolvida em uma série de situações hilariantes, na realidade constituindo muito mais variações em torno de um mesmo tema que um enredo contínuo com começo, meio e fim. Entre cada um dos episódios de sua série, o autor introduziu como que uma espécie de gancho, que deixava pressupor a continuidade no número seguinte do jornal. Essa modalidade narrativa funcionava muito bem como estratégia de marketing e como elemento de manutenção de uma clientela cativa de leitores, como já haviam descoberto os autores de folhetim alguns séculos antes e como descobririam os syndicates norte-americanos vários anos depois.
É fácil identificar que esse trabalho de Ângelo Agostini já encerra uma novidade para a época: uma proposta narrativa de maior fôlego que poderia até ser considerada, segundo o pesquisador Antonio Luis Cagnin, como “a primeira novela-folhetim de que se tem notícia, ou, como se diz hoje em dia, a primeira graphic novel”. Nessa série, Agostini destaca-se no uso de recursos metalingüísticos ou de enquadramentos inovadores para a época, como uma sucessão de vários quadrinhos utilizando um mesmo cenário de fundo, técnica que apenas muito tempo depois foi explorada pelas histórias em quadrinhos. A personagem foi publicada de 1869 a 1872, tendo sido também desenhada por Cândido de Aragonês Faria, que manteve o mesmo estilo do criador original.
Desenho Angelo AgostiniSua segunda personagem fixa, Zé Caipora, praticamente mantém a mesma temática de Nhô Quim. Mudam-se apenas os traços do protagonista, mas permanecem a mesma temática e forma narrativa. As aventuras de Zé Caipora foram publicadas de maneira não muito regular, de 1883 até 1886, na Revista Ilustrada; foram depois retomadas, durante algum tempo, no Don Quixote, e finalmente encerraram suas peripécias no periódico O Malho. Posteriormente, foram publicadas em álbum independente, sendo as histórias redesenhadas por seu autor. Segundo os críticos, Agostini atingiu, em As aventuras de Zé Caipora, um grau de qualidade do desenho muito superior ao que havia atingido em sua obra anterior, As aventuras de Nhô Quim, gerando uma produção artística que ainda hoje se destaca pelas explorações criativas em que seu autor se aventurou. Acima de tudo, Agostini representou um artista que jamais teve medo de ousar. Um exemplo ainda atual.
Desenho Angelo AgostiniDurante sua carreira, Agostini e sua arte engajaram-se em várias causas. Liberal convicto, fez uma ferrenha campanha a favor da Abolição da Escravatura, que ocorreu em 13 de maio de 1888, e pela República, proclamada em 20 de novembro de 1889. Além disso, era a favor da liberdade de culto no país e contra a repressão da população. Em reconhecimento a sua importante contribuição para o fim da escravatura, recebeu do político e abolicionista Joaquim Nabuco o título de cidadão brasileiro. Nesse ano entretanto, ele se envolveu em um escândalo. Casado e com dois filhos, Agostini se apaixona por uma aluna de desenho chamada Abigail e a engravida. Para evitar mais problemas, ele vende a Revista Ilustrada em 1888 e parte para a Europa no ano seguinte. A revista ainda duraria até 1898.
Desenho Angelo AgostiniEmbora Ângelo Agostini não tenha utilizado alguns dos recursos comuns às histórias em quadrinhos de hoje em dia, como o balão e a onomatopéia, desconhecidos em sua época, ele deve, com toda justiça, ter lugar assegurado entre os pioneiros da arte dos quadrinhos. Nada fica a dever, em termos de qualidade, a qualquer artista gráfico de sua época. Em alguns casos, até, chega mesmo a suplantá-los com grande vantagem. Recuperar a obra artística de Ângelo Agostini é tarefa que apenas aos poucos e arduamente vem sendo realizada no país, principalmente devido ao péssimo costume de se exaltar demasiadamente os valores alienígenas e fechar os olhos às belezas que internamente se possui. Algumas exposições já foram organizadas no país, mostrando seu trabalho, visando mostrar às novas gerações os meandros de uma produção artística inigualável em sua época.
Num Brasil em profunda transformação política, econômica e social, repleto de lutas pela abolição dos escravos e pela proclamação da República, Ângelo Agostini produziu uma arte que se recusava a ficar parada, estática. Avançando no tempo e no espaço, o artista criou uma narrativa sequencial com cortes gráficos que futuramente apareceriam nas histórias em quadrinhos. O mesmo pode-se dizer de suas caricaturas, pois elas não foram apenas um retrato de uma época, mas um olhar critico de uma sociedade que crescia em todos os sentidos. Ou seja, o pai de Nhô Quim e de Zé Caipora, nos deixou como legado aventuras e caricaturas que revelam um tempo histórico significativo, de um país que se tornará Nação, porém, com fortes desejos de ser uma República.
Para Herman Lima, estudioso da obra de Angelo Agostini, o artista tem grande valor. Segundo Lima, “durante quarenta e seis anos, de 1840 a 1910, esse formidável polemista do lápis, sem descanso nem folga, […], sempre se afirmou como irreverente fustigador de homens e de costumes, em milhares de charges, na época em coisa alguma inferior às melhores dos seus contemporâneos europeus” (Cirne, 1990, p. 16-7). Isso significa que esse ítalo-brasileiro foi um crítico feroz, que usou a pena como arma para instigar e mostrar à sociedade seus problemas e falhas, contudo, fez de belíssima e inovadora forma.
Essa inovação se faz presente especialmente nos quadrinhos. Ao publicar as aventuras de Nhô Quim e de Zé Caipora, Agostini traz os principais elementos visuais da narrativa quadrinizada, mas incomuns para o século XIX. Waldomiro Vergueiro, do Núcleo de Pesquisa de História em Quadrinhos da USP, comenta que ele usava “recursos metalingüísticos ou de enquadramentos inovadores para a época (entre estes últimos pode-se destacar, já no primeiro capítulo, uma sucessão de vários quadrinhos utilizando um mesmo cenário de fundo, uma técnica que apenas muito tempo depois foi explorada pelas histórias em quadrinhos)”.
Isso mostra que Angelo Agostini foi, sem sombra de dúvida, o principio dos nossos quadrinhos. E também um artista que por meio das histórias em quadrinhos, muito antes delas existirem como as conhecemos; revelou um país repleto de divisões sociais, econômicas e políticas, que começava a caminhar pelas próprias pernas, apesar delas serem, ainda, bastante frágeis.
Revolucionária no uso de elementos narrativos da linguagem dos quadrinhos que só viriam a ser “descobertos” no século seguinte e por adotar um estilo realista de desenho indo de encontro à estética cartunesca vigente no período, a saga de Zé Caipora começa com uma deliciosa comédia de erros e depois se transforma numa grande aventura, emocionante e realista onde o personagem aos poucos se revela um herói épico. Agostini experimenta ousadas diagramações de página, enquadramentos cinematográficos, grandes cenas panorâmicas, coloca os personagens em situação dramática e cria a primeira heroína universal dos quadrinhos: a índia Inaiá. Toda essa revolução pode ser apreciada no álbum As Aventuras de Nhô-Quim & Zé Caipora: os primeiros quadrinhos brasileiros, um belíssimo trabalho organizado pelo professor Athos Eichler Cardoso e publicado pelo Senado Federal em 2002.
Desenho Angelo AgostiniPublicações que recuperam o trabalho desse artista, indiretamente como acontece em As barbas do imperador, de Lília Moritz Schwarcs , ou de maneira facsimilar como realizou a UNESP/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo com a publicação de coletânea contendo tudo o que foi publicado n’O Cabrião -, são iniciativas oportunas e necessárias. Também meritória é a comemoração, a cada 30 de janeiro, do Dia do Quadrinho Nacional, tradição instituída pela Associação de Quadrinhistas e Cartunistas do Estado de São Paulo (AQC-ESP), desta forma celebrando o aniversário do início da publicação de As aventuras de Nhô Quim.

Fonte: Blog do Gutemberg | Omelete | Geocities | Terra | Logon | Italonet

1 Comentário Ângelo Agostini, cartunista

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