Gato Maluco: Saiba mais sobre o “Krazy Kat”

Conheça a criação de George Herriman publicada nos jornais norte-americanos entre 1913 e 1944

Gato Maluco, Krazy Kat por George Herriman

Gato Maluco, ou Krazy Kat foi um título de uma tira de jornal criada por George Herriman e publicada nos jornais norte-americanos entre 1913 e 1944. Sua primeira aparição se deu no New York Journal American de William Randolph Hearst, tendo no próprio Hearst seu principal incentivador durante todo o período em que ela esteve em circulação. No Brasil os quadrinhos com o personagem apareceram na revista O Tico Tico, quando foi chamado de “Gato Maluco”.

George Herriman, criador de Krazy Kat

George Herriman, criador de Krazy Kat

Ambientada num cenário irreal da casa de férias de Herriman no condado de Coconino, Arizona, a mistura de surrealismo, brincadeiras inocentes e a linguagem poética de Krazy Kat fizeram dela a favorita dos amantes de quadrinhos e dos críticos de arte por mais de oitenta anos.
O enfoque das tiras está em um curioso triângulo amoroso entre o seu personagem-título, um despreocupado e inocente gato de género indeterminado (referido tanto como macho, quanto como fêmea); o antagonista do gato, o rato Ignatz; e o protetor cão policial, o oficial Bull Pupp. Krazy nutre um amor não correspondido pelo rato; mas, Ignatz despreza Krazy e constantemente planeja atirar um tijolo à cabeça de Krazy, o que Krazy interpreta como um sinal de afeto. O oficial Pupp, como o defensor da lei e da ordem no condado de Coconino, toma como sua firme missão interferir nos planos de lançamento de tijolos de Ignatz e tranca o rato na cadeia do condado.
Apesar da simplicidade da comédia apresentada, foi a caracterização detalhada, combinada com a criatividade visual e verbal de Herriman, que fizeram de Krazy Kat um dos primeiros quadrinhos a ser amplamente elogiado por intelectuais e tratado como uma arte séria. Gilbert Seldes, um notável crítico de arte da época, escreveu um longo panegírico para as tiras em 1924, chamando-lhe “a mais engraçada e fantástica e satisfatória obra de arte produzida na América hoje”. O famoso poeta E. E. Cummings, como outro admirador de Herriman, escreveu a introdução à primeira edição da banda desenhada na forma de livro. Embora apenas com um modesto sucesso durante sua circulação inicial, nos anos mais recentes, muitos cartunistas modernos têm citado Krazy Kat como uma grande influência.

 

Uma das primeiras páginas coloridas de sábado na qual Krazy tenta entender porquê o Rato da Porta (um personagem secundário) está transportando uma porta. Publicado em 21 de Janeiro de 1922. Note que o fundo da cena sempre muda.

As histórias de Krazy Kat acontecem numa versão fortemente estilizada do condado de Coconino, Arizona, com Herriman preenchendo a página com paisagens típicas do Painted Desert. Tais cenários de fundo tendem a mudar dramaticamente entre os painéis mesmo quando os personagens permanecem parados. É evidente o estilo visual de todo o sudoeste americano, com, por exemplo, as coberturas das casas construídas com telhas de argila, árvores plantadas em vasos com desenhos imitando a arte dos índios navajo, além de referências à cultura méxico-americana. As passagens descritas misturam excentricidades e muitas vezes linguagem aliterada com diálogos fonéticos e uma forte sensibilidade poética (“o Agathla, séculos de erosão, arrepios no seu sono com esplendor esplenético, e espalha ao largo um espasmo sísmico com a suavidade suprema de um vulcão vagabundo”). Herriman gostava de fazer experiências não convencionais com a apresentação visual das páginas de suas bandas desenhadas de domingo, incluindo painéis de vários formatos e tamanhos, dispostos em posições que ele considerava serem as melhores para poder contar suas histórias.
Embora o conceito básico das tiras diárias seja simples, Herriman sempre achou um modo de subverter a norma. Às vezes, os planos de Ignatz de arremessar um tijolo na cabeça de Krazy obtinham sucesso; outras vezes o oficial Pupp percebia as intenções do rato e o colocava na cadeia. As intervenções de outros animais antropomórficos residentes no condado de Coconino, e mesmo forças da natureza, ocasionalmente alteravam a dinâmica de modo inesperado. Outras tiras têm pronunciamentos tolos ou gnômicos de Krazy que irritam tanto o rato, que ele vai buscar um tijolo no painel final. Mesmo o auto-humor é evidente — em uma tira, o oficial Pupp, tendo prendido Ignatz, repreende o cartunista por não ter terminado o desenho da cadeia.
A reação do público naquela época foi variada; muitos ficaram intrigados com a sua iconoclástica recusa em conformar-se com as convenções da banda desenhada e piadas simples. Porém, o magnata da publicidade William Randolph Hearst adorou Krazy Kat, e ela continuou a aparecer em seus jornais durante todo o tempo em que esteve em circulação, algumas vezes apenas devido as suas ordens diretas.

Krazy Kat

Rato Ignatz (esquerda), Oficial Pupp (centro) e Krazy kat (direita).

Invertendo todos os valores do lugar comum em que o cão é inimigo do gato, que por sua vez é inimigo do rato, Herriman construiu um curioso triângulo amoroso. No condado de Coconino, a gata é apaixonada pelo rato, que não compreende este amor e responde com tijoladas. Krazy Kat interpreta as agressões como gestos de amor, e derrete-se cada vez mais por Ignatz. Ao cão, apaixonado pela gata mas não correspondido, só resta o prazer de fazer valer o seu papel de autoridade policial e encarcerar o rato.
As estranhezas não param por aí. O sexo de Krazy Kat sempre foi uma incógnita. Por vezes assumidamente macho, por outras declaradamente fêmea, na maior parte do tempo comportava-se androginamente, o que só contribuía para o escândalo e confusão na época da sua publicação. Nem mesmo o nome ou a espécie de Krazy Kat estão acima de suspeitas, já que ele próprio (ela própria?) diz enigmaticamente numa tira a Ignatz: não sou Kat nem sou Krazy, sou o que está por trás de mim. Este tipo de diálogo esfíngico aparece freqüentemente na história, juntamente com uma grafia labiríntica que tenta reproduzir os sons e as expressões da gíria estadunidense.

O pobre rato Ignatz, irritado com os avanços românticos do gato/gata Krazy Kat, nunca chegou a saber o verdadeiro efeito de suas tijoladas. Em vez de simplesmente machucarem e afastarem Kat, sempre fizeram com que o seu amor andrógino se fortalecesse ainda mais. Herriman criou uma explicação histórica para isto, conhecida somente pelos leitores e por Krazy Kat. Tudo começou nos tempos de Cleópatra, quando os gatos eram animais sagrados: um rato, encontrando-se apaixonado por uma gata chamada Krazy, filha da famosa Kleopatra Kat, resolveu revelar seu amor escrevendo uma declaração num tijolo e atirando-o à sua amada. A carta de amor quase matou a bela gata, mas serviu para que o rato fosse por ela aceito. Desde então, por tradição, hereditariedade ou reencarnação, atirar um tijolo num Kat é sinal de amor.
Krazy Kat poderia ser comparado a Dom Quixote. Ignatz seria Sancho Pança, não compreendendo os devaneios de Krazy Kat e interrompendo-os com uma tijolada, tentando, sem sucesso, trazer o sonhador de volta ao que ele pensa ser a única realidade. Mesmo assim, a lógica poética do gato andrógino parece sempre superar o pragmatismo simplista do rato. Num exemplo clássico, Ignatz diz que o pássaro está no fio elétrico, ao que Krazy responde: é o fio que está no pássaro.

Krazy kat (esquerda), Oficial Pupp (centro) e Rato Ignatz (direita).

O rato Ignatz é impelido a se distrair com a ingenuidade de Krazy, e nada lhe dá maior prazer do que atirar um tijolo à cabeça de Kat. Para proteger seus planos do sempre vigilante (e sempre suspeito) oficial Pupp, Ignatz esconde seus tijolos, disfarça-se, ou aproveita-se da boa vontade dos moradores do condado de Coconino (sem, contudo, revelar suas reais intenções). O que facilita a tarefa de Ignatz é que Krazy Kat está sempre disposto a encontrá-lo em qualquer lugar e a qualquer hora, ansioso por receber um sinal de afeto na forma de um tijolo à cabeça.

Krazy kat (esquerda), Rato Ignatz (meio) e Oficial Pupp (direita).

“Braço da Lei e da Ordem”, o oficial Bull Pupp (também chamado de “Offissa” e “Offisa”) sempre tenta — e algumas vezes ele consegue — impedir os planos de Ignatz de arremessar tijolos em Krazy Kat. O oficial Pupp e Ignatz frequentemente tentam tirar vantagens dos outros mesmo quando Krazy não está diretamente envolvido, uma vez que os dois gostam de ver os demais fazerem papel de tolos.

Além desses três, o condado de Coconino é povoado por uma variedade de personagens. Kolin Kelly, um cão, é quem produz os tijolos que servem de projéteis para Ignatz, embora ele desconfie do rato. Senhora Kwakk Wakk, uma pata de chapéu, ranzinza e rabugenta que frequentemente apanha Ignatz no meio de seus planos e então informa ao oficial Pupp. Joe Cegonha, “fornecedor de descendência para o príncipe & proletários”, muitas vezes faz entrega de bebés indesejados a vários personagens (em uma tira, Ignatz tenta convencê-lo a jogar um tijolo à cabeça de Krazy lá do alto). Outros personagens que fazem aparições não muito frequentes são: Walter Cephus Austrige; Bum Bill Bee, um inseto que está de passagem pelo condado; Don Kiyote, um nobre e aristocrata coiote mexicano; Mock Duck, uma ave vidente de ascendência chinesa que parece-se com um indiano; e os primos de Krazy, Krazy Katbird e Krazy Katfish.

Krazy Kat evoluiu de uma banda desenhada anterior de Herriman, The Dingbat Family, que foi iniciada em 1910 e mais tarde viria a ser designada como “The Family Upstairs”. Estes quadrinhos narram a tentativa dos Dingbats para evitar a maldade da misteriosa família que vive no apartamento acima deles e desmascarar aquela família. Herriman completaria a banda desenhada sobre os Dingbats, mas para isso, trabalhou mais de oito horas por dia, enchendo a parte inferior da banda desenhada com desenhos cómicos do rato da família que vive no andar de cima oprimindo o gato dos Dingbats.


Revistas do Gato Maluco no Mania de Gibi

Apesar de sua baixa popularidade entre o público em geral, Krazy Kat ganhou muitos seguidores entre os intelectuais. Em 1922, um jazz balé baseado nas tiras foi produzido e suas músicas compostas por John Alden Carpenter; apesar do espetáculo ter atraído multidões nas duas noites de apresentação e ter recebido críticas positivas do The New York Times e The New Republic, ele não conseguiu impulsionar a popularidade das tiras como Hearst esperava. Além de Seldes e Cummings, os admiradores contemporâneos de Krazy Kat eram: Willem de Kooning, H. L. Mencken e Jack Kerouac. Estudiosos e autores mais recentes têm visto as tiras como reflectindo o movimento dadaísta e prenunciando o pós-modernismo.
Iniciada em 1935, a edição de Domingo do Krazy Kat foi publicada em cores. Apesar do número de jornais que a publicavam ter diminuído na última década, Herriman continuou a desenhar Krazy Kat — criando cerca de 3.000 cartoons — até a sua morte em 1944. Hearst cancelou imediatamente a publicação das tiras após a morte do artista, porque, contrariamente à prática comum naquele tempo, ele não queria ver um novo cartunista ocupando o seu lugar.

Por muitas décadas, as tiras de Herriman eram apenas esporadicamente publicadas. A primeira coleção Krazy Kat, publicada por Henry Holt & Co. em 1946, apenas dois anos depois da morte de Herriman, continha 200 tiras selecionadas. Na Europa, os cartoons foram pela primeira vez reimpressos em 1965 pela revista italiana Linus, e apareceu nas páginas da revista mensal francesa Charlie Mensuel estreando em 1970. Em 1969, Grosset & Dunlap produziu uma única coleção de capa dura de episódios e sequências selecionadas abrangendo todo o período de circulação dessas tiras. A neerlandesa Real Free Press publicou cinco edições de “Krazy Kat Komix” em 1975, contendo algumas centenas de tiras cada uma; as capas da cada edição foram desenhadas por Joost Swarte. Contudo, devido à dificuldade apresentada pelas cópias de baixa qualidade feitas a partir dos jornais originais, nenhuma outra coleção de Krazy Kat surgiu até a década de 1980.
Todas as tiras de Domingo de 1916 a 1924 foram reimpressas pela Eclipse Comics em cooperação com a Turtle Island Press. A intenção era a de reimprimir toda a série dos Domingos de Krazy Kat, porém este plano teve de ser abandonado quando a Eclipse abandonou os negócios em 1992. Iniciando em 2002, a Fantagraphics Books retomou a reimpressão das tiras de Domingo de Krazy Kat a partir de onde a Eclipse havia parado. A Fantagraphics lançou nove edições até a presente data, com mais uma em fase de acabamento, desenhadas por Chris Ware. A companhia tem planos de continuar até que todas as tiras até o final de 1944 tenham sido reimpressas, e depois iniciar a reedição, no mesmo formato, das tiras anteriormente impressas pela Eclipse. Tanto as reimpressões da Eclipse quanto da Fantagraphics incluem raridades adicionais tais como os cartoons mais antigos de George Herriman anteriores a Krazy Kat. Kitchen Sink Press, em associação com Remco Worldservice Books, reimprimiram dois volume em cores das tiras de Domingo de 1935 a 1937; mas assim como a Eclipse, eles tiveram que abandonar o projecto antes mesmo de terminas as séries.
As tiras diárias de 1921 a 1923 foram reimpressas pela Pacific Comics Club. As revistas de 1922 e 1923 deixaram de fora um pequeno número de tiras, que agora estão sendo reimpressas na Comics Revue. A Comics Revue tem também publicado todas as tiras diárias de 8 de Setembro de 1930 até 31 de Dezembro de 1934. A Fantagraphics lançou uma única reedição das tiras diárias das décadas de 1910 e 1920 em 2007.

Publicações isoladas das tiras semanais e as de Domingo têm aparecido em várias coleções, incluindo as da revista Grosset & Dunlap reimpressas pela Nostalgia Press, mas a mais completa coleção disponível das bandas desenhadas abrangendo todo o período de circulação das tiras é encontrada na Krazy Kat: The Comic Art of George Herriman, publicada pela Harry N. Abrams, Inc. em 1986. Ela inclui uma biografia detalhada de Herriman e é atualmente a única revista impressa a republicar as tiras de Krazy Kat após 1940. Apesar de conter mais de 200 tiras, incluindo muitas coloridas de Domingo, ela é fraca em materiais de 1923 a 1937.

2 Comentários Gato Maluco: Saiba mais sobre o “Krazy Kat”

  1. Francisco Carlos Amado

    Há de se lembrar que Krazy Kat tambem virou cartoon lá para o final dos anos 50 e passou na TV Brazyleira em meados dos anos 60 até 68 pela Tupi, eu acho. O nome do desenho aqui era “A Gatinha Manhosa” e eu, na infância, nunca soube o sexo daquela gatinha estranha, mas divertida!

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