Escritor e desenhista com passagens pela Marvel e DC Comics, faleceu aos 98 anos
Joe Simon, nasceu como Hymie Simon, criador do Capitão América, morreu no dia 15 de dezembro, aos 98 anos. A notícia foi dado pelo seu filho, via Facebook. Apesar do Sentinela da Liberdade ser seu personagem mais famoso, ele criou vários outros durante a Era de Ouro dos quadrinhos norte-americanos, além de escrever e desenhar séries de romance.
Joes Simon nasceu em 11 de outubro de 1913 em Rochester, Nova York, e começou a trabalhar como artista ainda adolescente, desenhando para jornais locais.
Ao ser contratado por Martin Goodman para tocar a divisão de quadrinhos da editora de pulps Timely (futura Marvel), Simon deu início à sua contribuição para o novo gênero criando cerca de cinco novos heróis por mês – ainda que esses personagens não tenham caído no gosto do público.
A Timely tinha apenas dois heróis populares, o Príncipe Submarino e o Tocha Humana, para enfrentar o Batman e o Superman de sua distinta concorrência. Mas Simon trouxe Jack Kirby (Jacob Kurtzberg – falecido em 1994) para rabiscar no pequeno estúdio da companhia. A primeira criação da dupla foi o espadachim Blue Bolt, de 1940.
Os dois criaram juntos muitos personagens e histórias, sendo o mais famoso deles o Capitão América, em 1941 (um jovem doente que, ao receber uma injeção de um soro especial, se transforma na arma das Forças Armadas dos Estados Unidos para derrotar os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial). Na estréia do herói, na então editora Timely Comics (futura Marvel) a capa da revista mostrava o herói acertando um soco em Hitler, um ano antes de os Estados Unidos entrarem na Segunda Guerra Mundial.
A história do super-herói foi levada às telas do cinema recentemente no filme “Capitão América – O Primeiro Vingador”, que foi lançado em maio com o ator Chris Evans dando vida ao papel-título.
Enquanto Simon e Kirby aperfeiçoavam a parceria, a 2ª Guerra Mundial estourou na Europa (Joe Simon serviu durante o conflito, se alistando na Guarda Costeira dos Estados Unidos.). Os dois artistas eram judeus e sua preocupação com as atrocidades do nazismo fizeram com que reagissem da única forma que sabiam. Usando os punhos, os dedos, os lápis e o nanquim.
Já em 1939, Simon editou uma história em que Namor, o Príncipe Submarino, enfrentava embarcações nazistas. Mas a realidade fora dos gibis era bem diferente. Os EUA estavam divididos entre os que eram a favor da entrada do país na guerra e os contrários à participação no conflito militar.
Havia até quem simpatizasse com a ideologia nazista nos EUA, e não eram poucos, como Charles Chaplin veio a perceber, ao ser duramente criticado por seu filme “O Grande Ditador”, que ridicularizava Adolf Hitler e teve uma première fracassada em Nova York, em outubro de 1940. Simon e Kirby seguiram a deixa de Chaplin e também partiram para a ofensiva, criando um super-herói com as cores da bandeira e chamado de América para colocar o ditador alemão em seu devido lugar.
Em dezembro de 1940, “Captain America # 1” chegou nas bancas americanas, trazendo o novo super-herói em sua famosa capa, socando a cara de Hitler. Tratava-se de uma clara e ousada tomada de posição política, uma vez que os Estados Unidos só foram entrar na guerra um ano depois, após o ataque da marinha japonesa a Pearl Harbor, no Havaí, em dezembro de 1941.
“Jack e eu líamos os jornais, sabíamos o que estava acontecendo na Europa, e lá estava ele, Adolf Hitler, com seu bigode ridículo, seu discurso violento e seus seguidores idiotas. Ele era o vilão perfeito, muito melhor do que qualquer coisa que poderíamos ter criado”, comentou Simon, certa vez.
O gibi de estréia do Capitão América vendeu 1 milhão de exemplares e alavancou a Timely, que passou a produzir ainda mais revistas em quadrinhos. O aumento de trabalho forçou novas contratações e, nessa leva, chegou um garoto de 17 anos chamado Stanley Lieber, primo da esposa do diretor da companhia, Martin Goodman. Stanley, ou melhor, Stan Lee, era jovem, mas tinha experiência na área da imprensa, escrevendo obituários. Foi contratado como office boy, mas, sob a benção de Simon, passou rapidamente a escritor, assinando seu primeiro texto no terceiro número da revista do Capitão América.
“O Capitão América de Simon e Kirby foi a primeira HQ que me fez sentir como se estivesse assistindo a um filme de ação emocionante”, comentou Stan Lee, criador de dezenas de heróis da Marvel, sobre o antigo patrão. “Para mim, a maneira como eles escreveram e desenharam o Capitão me fez ter a mesma emoção de assistir a Errol Flynn interpretando Robin Hood na tela grande”.
Enquanto Lee crescia na empresa, Simon e Kirby estavam insatisfeitos com o salário que recebiam e passaram a trabalhar secretamente para as editoras concorrentes como freelancers. Com apenas 19 anos, Stan Lee descobriu a situação e avisou Goodman, que demitiu a dupla, concedendo o cargo de editor ao garoto. Simon guardou mágoa por muitos anos, mas em pouco tempo Kirby estaria de volta à Timely, trabalhando intimamente com o responsável por sua demissão, na criação de personagens como Quarteto Fantástico, X-Men, Hulk, Thor e muitos outros.
A dupla resistiu à demissão, mas o fim da guerra representou também o fim da Era de Ouro dos quadrinhos. As vendas milionárias desabaram e os super-heróis saíram de moda.
Numa desastrosa estratégia de marketing, Martin Goodman liberou gratuitamente os direitos do Capitão América para o estúdio Republic realizar um seriado sobre o personagem, com a esperança de que a produção alavancasse novamente as vendas dos títulos – em vão. Simon jamais perdoou o chefe, rompendo relações.
Para a DC Comics (editora National), Simon e Kirby criaram a Legião Jovem, reinventaram o super-herói Sandman e conceberam Boy Commandos e Manhunter. Para a Fawcett Comics, produziram o primeiro exemplar da revista solo do Capitão Marvel, após o personagem surgir na antologia “Whiz Comics”.
Para a Fawcett Comics, fez histórias para o Capitão Marvel, antes que este fosse adquirido pela DC.
Também foi de Joe Simon, mais uma vez ao lado de seu sempre colaborador Jack Kirby, a criação de Fighting American, um dos primeiros personagens autoriais (cujos direitos pertenciam aos autores, e não à editora) da indústria de quadrinhos dos Estados Unidos. Hoje, essa prática é amplamente difundida, tendo sido um dos principais ideais por trás da criação da Image Comics, por exemplo.
Enquanto a Timely definhava em 1951 e passava a se chamar Atlas Comics, Simon e Kirby mantiveram a parceria criativa e chegaram a montar a própria companhia de títulos nos anos 1950, a Prize Comics e, posteriormente, a Mainline Publications, por onde publicaram gibis de western, terror, guerra e a primeira história em quadrinhos romântica, voltada para meninas, a altamente influente revista “Young Romance”, que deu início a uma nova tendência.
Os desenhos de Jack Kirby na “Young Romance” também serviram de base para diversas obras da pop art, recicladas por artistas plásticos famosos, como Roy Lichtenstein e Richard Hamilton, entre outros.
O criador deixou de trabalhar com quadrinhos durante a década de 1950, quando a indústria passou por problemas. Desde então, fez apenas trabalhos esporádicos.
No final dos anos 1950, os amigos, que também eram vizinhos e moravam com suas famílias na mesma rua, tomaram caminhos separados. Simon fundou a revista “Sick” em 1960, que durou 20 anos e concorria com a icônica “Mad”. Foi nessa década que o editor processou a Marvel tentando resgatar os direitos do Capitão América – uma batalha judicial que se estenderia por anos. Simon também trabalhou em publicidade, como diretor de arte de grandes empresas entre 1964 e 1967.
Mas ele não abandonou os quadrinhos: em 1966 dirigiu a Harvey Comics, voltando a atuar ao lado de Kirby na criação de super-heróis. A parceria se repetiu pela última vez em 1974, numa edição especial de “The Sandman”, da DC Comics (uma década antes da reinvenção do herói, feita por Neil Gaiman).
Sua vida também foi marcada por algumas confusões judiciais com a Marvel Comics, responsável pela publicação dos contos do Super Soldado, pelos direitos sobre o personagem. O primeiro processo ocorreu na década de 1960 e o mais recente é datado de 1999. O acordo extrajudicial feito em 2003 abriu espaço para que a adaptação para as telas do Capitão América este ano.
Ao longo dos anos, Simon participou de incontáveis convenções para ser prestigiado e homenageado por seus trabalhos. Ele licenciou vários personagens sobre os quais conseguiu manter direitos, mas também procurou continuar em atividade: em 1990, escreveu com o filho Jim Simon “The Comic Book Makers”. Em junho deste ano, ele lançou sua autobiografia, “My Life in Comics”.
Em 1999, ele entrou para o Hall da Fama do prêmio Eisner Award.
Em 2007, Simon teve a infelicidade de ver sua maior criação “morrer”, na saga “Capitão América: Morre Uma Lenda”. “‘Cap’ é um dos grandes ícones dos quadrinhos, e nós precisamos dele mais do que nunca para ser a nossa bússola moral”, protestou na época, se referindo à Guerra ao Terror e aos dois conflitos militares nos quais os EUA estavam envolvidos (no Afeganistão e no Iraque). Simon chegou a fazer uma versão atualizada da capa da primeira edição de Capitão América, substituindo Hitler por Osama bin Laden, porém ele jamais publicou a ilustração.
Apesar da idade elevada, o roteirista ainda participava de convenções de HQs nos Estados Unidos, sendo sempre saudado pelos fãs como um símbolo vivo da Era de Ouro dos quadrinhos.
Referências: Folha.uol | dgabc | G1 | Universo HQ | Pipoca moderna