PICA-PAU faz 80 anos

Personagem “malandro” de Walter Lants é um dos mais queridos do Brasil

O Pica-Pau é a figura clássica do anti-herói, um personagem com quem as crianças se divertem justamente porque não é idealizado ou “certinho”, como o Mickey, nem “politicamente incorreto” como o Pato Donald. É o “malandro”, aquele que sempre está em dificuldades e precisa dar um jeito na situação.

Pica-Pau não é vilão nem mocinho. Ele muda de posição o tempo todo. Da perspectiva do personagem, ele se vira com o pouco que tem para sair de situações em que ele se daria muito mal.

E os brasileiros estão mesmo entre os maiores fãs da animação. A NBC Universal descobriu isso em 2017, quando lançou canais no YouTube para exibir todos os episódios do Pica-Pau, com versões em inglês, espanhol e português. A versão brasileira tem 5,45 milhões de assinantes — o dobro da Espanha e América Latina e dez vezes mais que dos Estados Unidos. De olho nestes fãs, o estúdio produziu dois novos episódios passados no Brasil em 2018 — e, desde este ano, voltou a produzir novos desenhos da Turma do Pica-Pau, mas apenas para a web.

O desenho estreou no Brasil apenas um dia após a inauguração da TV no país, em 19 de setembro de 1950, com uma transmissão legendada na TV Tupi. Mas sua primeira aparição foi nos cinemas, dez anos antes, como antagonista do personagem Andy Panda no episódio “Knock knock” (no Brasil, “O Pica-Pau ataca novamente”). O desenho era uma criação de Walter Lantz, cartunista, produtor e pioneiro da animação nos EUA. Ele fazia desenhos para a Universal numa época em que todo estúdio tinha seu cast animado: a RKO distribuía os desenhos de Walt Disney, os Looney Tunes pertenciam à Warner, e Tom e Jerry brilhavam na MGM.

Sua risada característica foi criada por Mel Blanc, lendário dublador dos estúdios de animação, autor das vozes originais de praticamente todos os personagens do Looney Tunes. Ele pegou “emprestada” a gargalhada do Coelho Feliz, que dera origem ao Pernalonga no mesmo ano, para criar a do bichinho da Universal. Após quatro episódios, Blanc assinou contrato de exclusividade com a Warner, mas não levou a risada do Pica-Pau consigo. Quando a TV estreou no Brasil, Lantz estava sem trabalho: um processo do dublador o obrigou a fechar seu estúdio em 1949. Com a Universal Pictures, voltou a produzir episódios de 1951 a 1972. Depois disso, o desenho teve novas versões em 1999 e 2018, além de um malfadado longa em live-action em 2017.

Ao todo, Walter Lantz produziu 196 desenhos do Pica-Pau em 32 anos. São desta fase os episódios que os fãs brasileiros amam e transformaram em memes e bordões, como “E lá vamos nós” ou “Em todos estes anos nesta indústria vital…”

Das telonas para a telinha

Havia outra mudança grande acontecendo na década de 1950: a televisão. O aparelho ganhava cada vez mais popularidade, e ficou claro que o lugar dos desenhos animados era ali. Em 1957, então, o Pica-Pau estreou um programa semanal no canal ABC – durante meia hora, exibiam três desenhos, sempre apresentados pelo próprio Lantz, que interagia com personagens animados.

Uma vez na TV, o tom da comédia precisou mudar – havia muito mais censuras à violência, e o público infantil era bem maior. Dessa forma, tanto o visual quanto a personalidade do Pica-Pau foram se tornando cada vez mais suaves, e muitos episódios antigos precisaram ser reeditados. Ele continuava perturbando os personagens secundários, mas agora não mais de forma gratuita.

Pica-Pau continuou firme na televisão por mais uma década, mas, nos anos 1970, veio o ocaso. Lantz já estava com mais de 70 anos e o formato dos desenhos já parecia repetitivo. Lantz também não soube levar o personagem para voos mais altos – como Walt Disney tinha feito, ao produzir longas de animação desde a década de 1940 e montar um império nos quadrinhos, e como Maurício de Souza faz hoje, ao  manter a Turma da Mônica em alta na internet (com a Mônica Toy, que tem audiências brutais no YouTube). E em 1972 a série do Pica-Pau foi encerrada.

Em 1979, Walter ganhou um Oscar honorário por suas contribuições. Nada mais justo: ele já havia sido indicado dez vezes ao prêmio. Seu azar era que os troféus sempre iam para Disney, até hoje o recordista de vitórias (22).

Em 1986, Lantz foi homenageado com uma estrela na Calçada da Fama, em Hollywood. A sua criação veio logo depois: em 1990, o Pica-Pau ganhou a sua – um dos primeiros personagens a  receber isso.

No fim da década, a Universal decide fazer uma nova leva de episódios inéditos do Pica-Pau com The New Woody Woodpecker Show (“O Novo Pica-Pau”), que dura de 1999 até 2002. Lantz, contudo, não viu nada disso: morrera em 1994, aos 94 anos.

Hoje, o Pica-Pau é praticamente um cidadão honorário do País, Em 2017, a Universal produziu um live-action do personagem para o cinema, em que uma versão animada dele incomoda uma família de atores reais. Além de ter chamado uma atriz brasileira (Thaila Ayala), o estúdio promoveu a estreia mundial nos cinemas daqui mesmo. O problema é que o filme era fraco. Nos EUA, ele nem chegou à telona – foi direto para o DVD. E acabou passando despercebido no Brasil também. Nem precisa assistir: melhor ficar com os desenhos mesmo.

E por falar neles, desde 2018 a Universal produz novos desenhos do personagem – todos disponíveis no canal “Pica-Pau em português”, no YouTube. Certa vez, perguntaram para Walter Lantz sobre a longevidade do Pica-Pau. “Eu realmente acredito que ele vai durar para sempre”, respondeu. Estava certo.

 

Fonte: Jornal O Globo de 22.11.20

Superinteressante – Ed. Abril  https://super.abril.com.br/especiais/pica-pau-80-anos/

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